Terapia automotiva para mulheres

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Sou apaixonada por mulheres inteligentes. Uma das que eu admiro, e muito, é Cláudia Cecília, colunista do jornal carioca O Dia. Ela é colunista da revista TDB na coluna Salto Agulha e tem um blog homônimo. Este domingo saiu uma crônica dela maravilhosa e resolvi, postar na íntregra para vocês. Mulherada... Vale a pena ler!!!

Caso queiram conhecer os outros textos da Cláudia, visitem o blog Salto Agulha.

Terapia automotiva
Por Cláudia Cecília - O Dia


O trânsito no Rio pode ser responsável por um curioso processo de auto-terapia das mulheres. Não, a frase não saiu de mais uma pesquisa de comportamento daquelas que a gente adora comentar. É uma informação colhida pela Data Salto Agulha, em um almoço em que as criaturas do sexo feminino eram maioria. A conversa começou no padrão amenidades, tipo a loucura que é sair de casa para o trabalho todos os dias com essa quantidade absurda de carros na rua e o tempo que cada um leva nesse trajeto e o estresse que isso gera etc etc. E, até este momento, os homens estavam incluídos nesse contexto rotina-opressora-da-grande-cidade. Foi então que nós, as mulheres da mesa, resolvemos confessar algumas intimidades que acontecem entre quatro portas e três pedais e descobrimos muita coisa em comum. Daí que concluímos que, quanto mais longe morarmos e mais engarrafamentos pegarmos, menos precisaremos de analistas e azar dos homens que ainda não perceberam - e não entenderam - isso.

Éramos seis as mulheres do almoço e isso já é mais do que muita amostragem de pesquisa. Então, se é assim com a gente, é assim com todo mundo. Ou pelo menos com todas as motoristas que passam mais de uma hora por dia no carro. Sozinhas, claro, porque acompanhada não vale. É na solidão escurecida pelo insulfilm que fazemos nossa viagens interiores mais profundas e nem pensem em debochar que a coisa é mais séria do que parece. E se você for psicanalista, prepare-se, porque conforme formos aprimorando as técnicas de terapia ao volante, os divãs se tornarão desnecessários.

Para quem ainda não entendeu ou para aquelas que ainda não perceberam o potencial de uma viagem diária de carro, a coisa funciona mais ou menos assim: de dia, no trajeto de casa para o trabalho, a gente cuida do corpo. De noite, no sentido inverso, a gente trata da alma. Então, bobas são as que ainda se arrumam toda dentro de casa e acabam se atrasando. Se o trajeto é longo, leve tudo o que não precisa ligar na tomada na bolsa e aproveite os sinais e as retenções. Fechou o primeiro, coloque os brincos. No segundo, passe o pó. Na primeira congestionada, você saca o batom e, se perceber que vai demorar, o rímel. Mas esse, querida, só pode ser usado se você tiver certeza de que a fila não vai andar. Senão, vai acabar que nem uma das figuras do almoço, que foi surpreendida pelo mecânico com a pergunta: 'por que o teto do carro da senhora está cheio de pintinhas pretas?'. Adivinhem? Era rímel, porque ela demorou muito a sincronizar as pinceladas com o fluxo do trânsito . Então, quem ainda não está acostumada deve treinar bastante ou corre o risco de chegar ao trabalho que nem o Coringa do Batman.

Findo o expediente, é de noite que a coisa se aprofunda. Ok, confesso: achava que eu era a única que aproveita o longo caminho de volta ao lar para, por exemplo, chorar. Isso mesmo: chorar. Às vezes é choro de personagem rica de novela, daqueles que as lágrimas escorrem elegantemente pelo rosto, às vezes, pranto de protagonista de trama mexicana, com direito a soluços e caretas. A razão do choro? Ah, vai saber? Cada noite tem um motivo, bom ou ruim, e só estou fazendo essa revelação porque descobri que não estou só. Vocês é que estão aí andando pelas ruas sem nem perceber que tem um monte de mulher chorando na janela ao lado. Ah, sim, isso é mais comum nas vias expressas e quando a programação da rádio resvala para o romantismo piegas - tendência no horário noturno.

Mas o choro não é nosso único recurso. Umas das moças do almoço disse que grita e grita muito. A outra canta música brega, tem a que prefere exercitar o inglês nas canções e falar sozinha é o básico. Refletimos, fazemos balanço de nossas vidas, viajamos no passado, remoemos nossas culpas, comemos alguma coisa para distrair e seguimos nossos caminhos. É por isso que quando a gente chega em casa com um humor surpreendente ou com um assunto já pelo meio, vocês, homens, não entendem.

Terminamos a conversa do almoço com inveja das paulistanas. Com aquele trânsito inacreditável, elas devem ser muito mais bem resolvidas do que nós.



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